sábado, 19 de março de 2016

Memórias do subsolo

Memórias do subsolo relata histórias e pensamentos vividos pelo "homem do subsolo" narrador-personagem. O narrador poderia ser qualquer um de nós, seres decrépitos, fúteis e sem esperanças. Dostoiévski me destruindo mais uma vez.


A primeira parte do livro relata os pensamentos de um homem com seus 40 anos, e a segunda parte, o homem retorna aos seus 24 anos. Duas narrativas cruéis, que de certa forma retrata a "degradação" humana. O que afinal seria a degradação? Um ser que pensa, e no fim não se enquadra em nada, ou aquele que sempre será aceito em todos os lugares, conseguindo como troféu a falta de consciência para o fato de que no fim, não há lugar para se pertencer? Em suma, dois seres atormentados.

Na segunda parte do livro, em plena juventude do narrador, é possível perceber uma certa esperança, uma vontade de agradar ao outro, necessidade de ser bem visto. Fato este, quase inexistente na primeira parte

O livro deve ser lido calmamente uma vez que Dostóievski acaba por descrever teorias por entrelinhas. Vestígios de psicanálise, filosofia existencial, são facilmente encontrados neste livro, o difícil se faz no processo de decodficação teórica. Confesso que não tive sensação física como em "Crime e castigo" mas, em certos momentos senti na boca um gosto amargo. As obras se complementam.

O final do livro é simplesmente fantástico, muito intenso, momento em que o narrador falar sobre passado e futuro, fazendo uma amarração entre vida, literatura, amor e consciência de si. Momento extremamente reflexivo. Li duas vezes pra tentar absorver o máximo possível do que estava escrito. Me afundei em angústia. 

Junto com Memórias do subsolo comprei "A náusea" -Sartre-. Consigo ver nitidamente um diálogo entre os dois livros. Caso haja possibilidade, trarei este diálogo.

Como sempre, tenho a sensação de que não disse nem sequer o mínimo sobre o livro, mas, na certeza de que nunca teria a sensação de ter dito o mínimo, eu deixo como está.



"Oh, se eu não fizesse nada unicamente por preguiça! Meu Deus, como eu me respeitaria então! Respeitar-me-ia justamente porque teria a capacidade de possuir em mim ao menos a preguiça; haveria, pelo menos, uma propriedade como que positiva, e da qual eu estaria certo. Pergunta: quem é? Resposta: um preguiçoso. Seria muito agradável ouvir isto a meu respeito. Significaria que fui definido positivamente; haveria o que dizer de mim. "Preguiçoso!" realmente é um título e uma nomeação, é uma carreira. Não brinqueis, é assim mesmo. Seria então, de direito, membro do primeiro dos clubes, e ocupar-me-ia apenas em me respeitar incessantemente." Pag 31. Ed. 34



Finalizando:


“... não será melhor encerrar aqui as ‘Memórias’? Parece-me que cometi um erro começando a escrevê-las. Pelo menos, senti vergonha todo o tempo em que escrevi esta novela: é que isto não é mais literatura, mas um castigo correcional. (...) um romance precisa de herói e, no caso, foram acumulados intencionalmente todos os traços de um anti-herói, e... tudo isto dará uma impressão extremamente desagradável, porque todos nós estávamos desacostumados da vida. (...) Sei que talvez ficareis zangados comigo por causa disto, e gritareis, batendo os pés: ‘Fale de si mesmo e das suas misérias no subsolo, mas não se atreva a dizer ‘todos nós’. Mas com licença, meus senhores, eu não estou me justificando com este todos. E, no que se refere a mim, apenas levei até o extremo, em minha vida, aquilo que não ousastes levar até a metade sequer, e ainda tomastes a vossa covardia por sensatez... (...) Para nós é pesado, até, ser gente, gente com corpo e sangue autênticos, próprios; temos vergonha disso, consideramos tal fato um opróbrio e procuramos ser uns homens gerais que nunca existiram. (...) Mas chega; não quero mais escrever ‘do Subsolo’ ” (Dostoiévski, 1864, p.145 a 147). 
Trecho retirado: http://www.celpcyro.org.br/joomla/index.php?option=com_content&view=article&Itemid=0&id=839









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