Vem ano, vai ano e com eles mudanças. Leitura de novos textos, ou dos antigos, mas tudo diferente, tudo em seu momento.
Posto abaixo um rico poema de Carlos Drummond. Para alguns, de fato, um belíssimo texto, mas sem grandes riquezas, para outros um texto comum, mas com belas palavras. Eu arrisco a dizer que só os miseráveis que beiram o fundo do poço (sem fim), conseguem sentir ( não importa o que) estas belas palavras.
Arrisco dizer que quem se encontra em uma encruzilhada, em um certo vai e não vai em sua vida, conseguirá compreender a dimensão deste poema.
Afinal, é agora que pulo na frente de um carro, ou de fato, arrisco em fugir? Pois é, nenhum opção agradável. Mas se não for morrer, pois que vá viver. Há um momento em que a cabeça não agüenta, devido a quantidade de pensamentos.
Estou preferindo viver, mas apresento sérias dificuldade neste início. Afinal, desgarrar e escolher não são tarefas fáceis.
Os Ombros Suportam o Mundo
Carlos Drummond de Andrade
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Os versos acima foram publicados originalmente no livro "Sentimento do Mundo", Irmãos Pongetti - Rio de Janeiro, 1940. Foram extraídos do livro "Nova Reunião", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1985, pág. 78.
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